Chico de Assis
Fonte: Revista Bravo


Ainda hoje há muitos equívocos em torno dos conceitos formulados pelo dramaturgo alemão.

Desde a sistematização das ideias de Brecht, no início do século passado, os especialistas têm discutido a validade, a conformidade e a forma geral do modo brechtiano de conceber o espetáculo teatral. Ainda hoje há muita controvérsia – e equívocos – sobre o significado daquilo que é uma das suas principais marcas, o chamado teatro épico. O termo, aliás, foi rejeitado pelo próprio dramaturgo, que preferia o conceito “dialético” para evitar confusões com o épico aristotélico, fundamentado sobre a tragédia grega, que é exatamente o contrário do que ele defendia.

Para Brecht, o milenar drama aristotélico, “hipnótico” e capaz de convencer o espectador de qualquer coisa pela emoção, era o que tinha de ser evitado. A força do drama nascida na tragédia grega para fazer a catarse dos gregos em relação ao bem geral da polis – essência da nova ordem política democrática da antiga Grécia – não servia aos objetivos brechtianos, que tinham na filosofia marxista, sim, as suas bases. O dramaturgo alemão queria um teatro às claras, em que o público nunca esquecesse que estava num teatro, apresentando problemas do mundo moderno aos cidadãos, que poderiam, então, optar por uma solução individual.

Mas mesmo isso levou a erros na compreensão desse teatro. Entre as lendas negativas sobre Brecht está, em primeiro lugar, uma suposta recusa da emoção. Não é verdade. Isso está fora de cogitação porque a emoção é inerente à vida humana e, portanto, não pode ser excluída de um espetáculo teatral. O que ele evitava sobretudo era o empilhamento e a acumulação da emoção, como acontece no teatro dramático, cuja estética tem como ponto máximo o belo – a cena de crise quando a emoção sobe a seu mais alto grau e a razão decai ao mais baixo. É a catarse, que sangra os males do indivíduo ao fazê-lo identificar-se com o protagonista. É essa identificação – a agnorisis – que Brecht rejeitava: ele simplesmente não queria no palco heróis montados de forma que os espectadores neles se espelhassem.

Além disso, o estranhamento que Brecht pregava na sua concepção de teatro foi contaminado por explicações vazias de quem quer colocar o autor e diretor na profundeza abissal das ideias. “Estranhar” é poder ver como se fosse pela primeira vez, o que, em tese, evita que nos acostumemos e automatizemos coisas, gestos e fatos. Quanto ao distanciamento ou alienação, é um propósito cênico que visa a desintegrar ao máximo a possibilidade de formação de identificação e, portanto, de envolvimento dramático. É simples.

Na sua dramaturgia, Brecht usa a narrativa fabular na maior parte dos casos. Em Mãe Coragem e Seus Filhos, ela se volta para a burguesia mercantil e industrial alemã que, no período das guerras mundiais, se enriquecia com o conflito e não se dava conta de que seus filhos morriam na guerra. Não há, como se sabe, heróis na obra de Brecht. Coragem é como ele a apresenta; não devemos chorar por ela, cabe mais um sorriso de quem entendeu o processo. Está claro que Mãe Coragem... pode ser levada ao palco com força dramática, como já foi várias vezes, pois a peça pode permitir isso pela presença de conflitos. Mas do ponto de vista estritamente brechtiano, o melhor é afastar Coragem e seus filhos de qualquer descaminho dramático que acabaria por fazer uma perfeita tragédia burguesa.

Hoje vivemos no teatro uma época de estruturas mistas. O dramático e o dialético já convivem em cena e texto. O drama é belíssimo, e o teatro de Brecht também. Os dois juntos prometem uma síntese notável no futuro próximo. Assim, grupos seguirão na sua busca pura do teatro dialético, outros farão tragédias burguesas e outros ainda montarão peças aristotélicas misturadas com Brecht. Que se dê liberdade aos criadores, mas que se compreenda melhor Bertolt Brecht.